שֵׁמוֹת Shemot ÊXODO
Qual é o Seu Nome?
No Capítulo 3 do Livro de Êxodo (Shemot - em Hebraico e segundo Livro da Torá), a partir do versículo 13 ao 15, Moisés pede a Deus que lhe diga Seu nome para quando os filhos de Israel lhe perguntar, ele saiba, com segurança lhes informar. (Textos originais da Torá):👇
|E Moisés disse a Deus: Eis que quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser: ‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’ – ele dirão para mim: ‘Qual é o Seu nome?’ – e o que direi a eles? 14 E Deus disse a Moisés: “Serei o que desejar ser.” E disse: “Assim dirás aos filhos de Israel: Serei enviou-me a vós.” 15 E Deus disse ainda a Moisés: “Assim dirás aos filhos de Israel: O Eterno, Deus de vossos pais – o Deus de Abrahão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob –, enviou-me a vós. Este é o Meu nome para sempre, e este é o Meu memorial para todas as gerações.|
13.: dirão para mim: ‘Qual é o Seu nome (shem - Nome em Hebraico)?’ Poderemos entender a pergunta de Moisés apenas se nos lembrarmos dos principais objetivos da sua missão. Afinal, os nomes de Deus, Eterno (Tetragrama) e Shadai, eram definitivamente conhecidos por eles desde o tempo dos patriarcas.
De tudo o que havia sido dito até agora, ficou claro para Moisés que sua missão era dupla: a primeira, ligada ao Faraó – salvar o povo da escravidão; e a segunda, a principal e incomparavelmente mais difícil, ligada aos filhos de Israel – educá-los e prepará-los para um elevado objetivo: tornarem-se o povo de Deus, que era o propósito de toda a redenção, conforme expresso claramente no versículo anterior.
Se sua missão nesse estágio incluísse apenas a redenção da escravidão, ela teria sido dirigida apenas ao Faraó. No entanto, Moisés entendeu que a principal função era ligar-se a Israel para torná-los dignos da redenção, aproximando-os assim de seu propósito primordial e supremo. Ele não tinha dúvidas sobre o que diria ao Faraó, mas, com relação ao povo de Israel, pediu um esclarecimento.
Daí a sua pergunta: “Quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser que o Deus de seus pais me enviou para salvá-los” – algo que prefigura um novo tipo de relacionamento entre Deus e o povo – “Por qual nome devo chamar aquele que me enviou?” O próprio nome deve dar-lhes a chave para entender essa nova relação com Deus e a nova dinâmica que passaria a vigorar.
Toda nossa percepção [judaica] de Deus é baseada nos Seus nomes. Tudo o que devemos saber sobre Deus, tudo o que Deus revela sobre Si mesmo, não é destinado aos nossos olhos, mas aos nossos ouvidos. E os nomes que utilizamos para nos referirmos a Ele revelam nossa percepção de Sua atitude em relação a nós e do nosso relacionamento com Ele. Daí a expressão de grande significado: “Conhecer o nome”, tal como: “Mantê-lo-ei a salvo, pois conhece o Meu nome” (Salmo 91:14); “E confiarão em Ti todos os que conheceram o Teu nome” (ibid. 9:11 - [Talmud]).
Entretanto, somente se o nosso relacionamento com Deus nos convocar a agir será necessário “conhecer o nome de Deus”. Mas se a nossa função não é atuar, mas permanecermos passivos e sermos salvos e abençoados por Ele, não há necessidade de conhecermos o Seu nome. Somente quando é nosso dever participar ativamente do serviço Divino, como servos de Deus, nos é necessário “conhecer corretamente o Seu nome”, pois através dessa informação estaremos conscientes do conceito que nos guiará em nosso comportamento para com Ele, assim como os pensamentos que determinarão as nossas ações, ou a ausência delas, de acordo com a Sua vontade.
A pergunta de Moisés sobre qual nome Divino ele deveria apresentar aos filhos de Israel em sua missão é como se dissesse: Que conceito Divino ele devia mostrar a eles para gerar mudanças no espírito deles e incentivá-los a trocar voluntariamente a servidão do Faraó pelo serviço Divino?
14.: Serei o que desejar ser. Se Eu quiser transmitir um conceito sobre Mim mesmo, algo que provocará uma mudança decisiva naquela pessoa que o entender e se apegar a ele; que o elevará acima e além de todas as outras criaturas e o trará a um contato pessoal, direto e profundo comigo, devo apresentar Meu nome e dizer sobre Mim mesmo: “Serei o que desejar ser”.
Todas as outras criaturas são o que devem ser; a existência delas depende da vontade do Único que pode dizer “Eu sou”, assim como “serei o que desejar ser”. Este nome expressa a essência pessoal, absoluta e livre de Deus. E como Deus não diz aqui “Eu sou”, mas “serei”, Ele enfatiza que o futuro depende inteiramente de Sua vontade e que Ele é livre e independente para moldá-lo da forma que Lhe aprouver. Este nome dá expressão ao entendimento judaico característico da Divindade, um conceito completamente novo, que a humanidade aprenderá através da redenção de Israel do Egito, o que acabará por levar à redenção do mundo inteiro.
O pensamento não judaico vê Deus, no máximo, como a origem da existência física do mundo, desde que este foi criado. Mesmo quando esse pensamento transcende a percepção do Criador como parte do mundo (imanência)* – considerada heresia – e reconhece Sua existência além do mundo (transcendência), ainda limita a ação Divina ao passado. Em um único momento isolado, Deus esteve em contato com o mundo: o momento em que tudo foi trazido do potencial – da vontade Divina – à realidade; isto é, à existência concreta. Daquele momento em diante – de acordo com essa visão – a obra de Deus, o Seu mundo, estava completa. E tudo, mesmo o futuro mais distante, é apenas um resultado obrigatório das leis gerais que foram embutidas no mundo no momento de sua fundação.
De acordo com essa visão, tudo é governado por leis constantes e imutáveis, que, se tanto, foram criadas em algum momento pelo poder colossal de uma fonte suprema. Assim, somente o homem, com o que parece ser seu poder de livre-arbítrio, é capaz de delinear um novo futuro – aparentemente. Mas a questão é: como é possível que Deus e o mundo sejam limitados dessa forma, enquanto o homem é livre para escolher? Portanto, a fim de salvar a dignidade do Deus limitado e privado de liberdade, essa visão é forçada a negar também a liberdade do ser humano. E essa liberdade, essa realidade absoluta e conhecida por qualquer pessoa, que contradiz a visão idólatra a respeito do mundo e de Deus é, assim, apresentada como a maior das ilusões. O homem não é livre. O que ele imagina serem suas decisões espontâneas nada mais é que as consequências inconscientes das influências enraizadas e provenientes de seu passado. E, assim, no céu e na terra e em toda a vastidão do Universo, não há alguém que possa dizer “eu serei”! Pois não há alguém que possa dizer “eu desejo ser”!
O nome Divino “Serei o que desejar ser” (Eheiê) se opõe a esta ideia vã – a negação da liberdade Divina e humana – e a destrói em suas fundações ao colocar em seu lugar a verdade: é Deus quem determina o futuro livremente, juntamente com o ser humano livre cujo futuro está em suas próprias mãos.
Uma analogia a essa ideia está no encerramento da descrição da Criação. As palavras que finalizam a formação do Gênesis – “que Deus criara para fazer” (Gênesis 2:3) – declaram que a obra Divina não foi concluída no ato da Criação; estava apenas começando: o Céu e a Terra foram criados para que Deus continuasse o Seu trabalho. Ele nomeou o homem, a última das criaturas, para continuar a obra Divina, e confiou a ele toda a Criação.
As palavras de encerramento “que Deus criara para fazer” marcam a transição entre o final da obra Divina que cria na natureza e o início da obra Divina que cria na história humana: a determinação de como será o futuro, até o fim dos tempos. Isso também está sinalizado nas palavras do Rabi Pinchás, em nome do Rabi Hoshaia (Ialcut Shimoní, Gênesis 16): “(Deus) repousou da obra de Seu mundo, mas não repousou da obra dos justos e dos ímpios, pois age com estes e age com estes; mostra a estes o futuro que os espera e mostra a estes o futuro que os espera.”
Somente a partir deste versículo de transição é que Deus é referido pelo nome do Tetragrama, o Deus do futuro (como está escrito no Gênesis 2:4), ao lado do nome que o designa como o Criador do mundo: Deus (Elohim).*
*A imanência de Deus foi defendida por, entre outros filósofos, Baruch Espinoza, e consiste na ideia de que a Divindade não transcende a existência física, mas é a causa de tudo que está nela e de que nada existe além dela. Sua filosofia foi posteriormente resumida pela famosa frase “Deus sive Natura” – “Deus, ou seja, a Natureza” – Deus é a natureza e a natureza é Deus. Tal teoria considera que o processo de produção da vida está contido na própria vida e não tem origem numa fonte externa a ela. A heresia presente nessa ideia – conforme apontado pelo Rabino Hirsch – está na afirmação de que Deus é a existência física, ou a Natureza, pois sendo esta finita e limitada, Deus seria também finito e limitado, ao passo que, segundo o judaísmo, uma vez que cada coisa limitada resulta da restrição da plenitude de Deus, o próprio Deus deve transcender (existir além) dessas várias coisas limitadas.
Bem como aqui, nesta aproximação crucial de Deus com a humanidade, no momento que Ele faz a semeadura do futuro do homem, o nome “Serei o que desejar ser” expressa essa verdade e a proclama com absoluta certeza como a pedra fundamental e a pedra angular de toda verdade e do bem. E para este propósito do futuro da humanidade, propósito assegurado pelo desejo absoluto de Deus, o ser humano é convocado a utilizar o seu poder para moldar o futuro – a serviço do Eterno – ou seja, fazer da vontade de Deus a sua própria vontade.
Estas palavras – “Serei o que desejar ser” – rompem as ataduras do homem, através das quais é aprisionado por qualquer outro tipo força, e deixam-no ereto e livre para o serviço Divino, para a construção do futuro em parceria com Deus. E a garantia de que esse futuro será totalmente concretizado está no fato de que Deus, em Sua total liberdade, criou o mundo visando este futuro. Portanto, mesmo situações e eventos aparentemente contrários a este objetivo, devem inevitavelmente aproximar a humanidade desse futuro seguro e elevado. Os judeus expressam esta confiança na repetida declaração do Cadish, presente em suas orações: “Que o Seu grandioso nome seja enaltecido e santificado no mundo que Ele criou conforme a Sua vontade”. Em outras palavras: “O grandioso nome de Deus será reconhecido, em toda a sua grandeza e santidade, no mundo que Ele criou de acordo com a Sua livre vontade.”
15.: aos (el) filhos de Israel. Parece haver uma diferença entre “assim dirás aos (lê)”, do versículo anterior, e “assim dirás aos (el)”, deste versículo. A letra de relação lámed (lê) aponta a um apelo que não é diretamente voltado ao povo de Israel, mas sim, em prol do povo de Israel, a fim de ensiná-los; talvez este apelo tivesse sido dirigido aos anciãos. Já a palavra “aos” (el) neste versículo indica um apelo direto ao povo de Israel.
De acordo com isso, o nome “Serei o que desejar ser” foi dito apenas a Moisés. Quanto ao povo, bastava ensiná-los “Serei”; ele devia fazê-los entender que o futuro está nas mãos de Deus, mesmo sem basear tal ensinamento na Sua liberdade única e absoluta. E mesmo esse conceito, que confere certo grau de percepção da personalidade do Eterno – “Serei” – devia ser entregue, primeiramente, apenas em prol de Israel, a seus professores e líderes. Mas a mensagem destinada ao povo de Israel devia ser baseada não na compreensão da personalidade que cria o futuro, mas na compreensão da atividade Divina dentro do futuro. Em vez do nome “Serei” (Eheiê), deve ser usado o Tetragrama, que significa “trazer todas as coisas à existência”.
Mesmo este nome, que ficou conhecido por todo o povo de Israel, é cuidadosamente mantido apenas no interior do coração. Não é permitido pronunciá-lo da maneira como é escrito, nem pensar sobre ele (Shemot Rabá 3:7). Podemos apenas refletir sobre sua relação próxima com o futuro dos homens e das nações. Nós pronunciamos somente o nome Ado-nai, “meu Senhor”, o nome dado por uma pessoa que se coloca a serviço do Criador do futuro, todo o tempo em que ela vive e atua neste mundo.
Este é o Meu nome para sempre, e este é o Meu memorial para todas as gerações. “Este”, o nome do Tetragrama, “é o Meu nome para sempre” – para o futuro. “E este”, seu significado prático para o povo nada mais é do que “Meu memorial” – o nome Ado-nai, que os coloca sob o Meu serviço. Este é o sentido em que se deve pensar sobre Mim geração após geração.
(Texto montado e editado aqui por Costumes Bíblicos com partículas de artigo publicados originalmente em sefer editora e livraria)
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Filipenses 1:9-11